domingo, 5 de setembro de 2010

Borboletas

Posso não saber o que quero, mas sei o que não quero!

Eis a lição da protagonista do filme Vicky Cristina Barcelona, de Woody Allen. Ela decidiu sair em busca de si, cruzou o oceano, flertou. Achou. Iludiu-se, desiludiu-se. Experimentou. Continuou a experimentar, já sabendo pouco mais sobre ela mesma. Um pouco tão muito naquele momento. Um pequeno aprendizado: viver, aprender e continuar a viver e continuar a aprender... E, é claro, usar aquilo que aprende no percurso do novo aprendizado. Dessa forma construiu-se a trama do longa- metragem. É gratificante como existem estórias que nos emocionam, nos dizem algo de especial. Entramos em contato com nosso "eu" mais suscetível a ser e valorizar o que é genuinamente importante para nós, para cada um de nós. Deve ser por isso que alguns filmes nos soam tão marcantes. Ou deveriam...

Vivendo grandes dificuldades de ordem pessoal, ela decide procurar o sujeito que deseja estar ao lado, compartilhar o seu afeto, mesmo que aquele seja, visivelmente, um período tanto sombrio de sua existência. Fato é que, quando decide procura-lo e dizer que todas as suas questões não passarão por agora, nem mesmo abrandar-se-ão com sua presença, ela é questionada por ele qualquer coisa como: você tem certeza? E responde qualquer coisa do tipo: não posso prometer que não o magoarei novamente, nem que tudo será perfeito. Que outras questões não virão e me deixarão insegura ou menos presente. Nem que você não me magoará... (diz sim). Nesse contexto, as personagens já maduras e não menos conflituosas do que qualquer humano por ai, decidem assumir suas vidas e ser e querer, apesar ou por causa de tudo que as rodeiam. Todas as dúvidas, certezas, receios, desejos... É tudo dito ou pelo menos encarado. O filme em questão é Quando me apaixono (Then she found me), dirigido por Helen Hunt. E parece-me que é assim mesmo que nos apaixonamos por esses filmes, pela sua verdade e humildade de se tornarem tão próximos de nós, que sentimos, às vezes, contarem a minha, a sua ou a vida do vizinho da janela ao lado. Nudez é a palavra. E adoramos nos despir...

Quando Camille decide convidar seu vizinho Phillibert para um piquenique no seu modesto apartamento, que fica abaixo do telhado daquele antigo edifício, ela se justifica dizendo que não conhece os moradores do prédio, que as pessoas não se cumprimentam, afastam-se, ao invés.Assim começa uma gentil amizade com o rapaz e seu inquilino. Tornam-se uma família a seu modo. Cotidianamente, responsabilizam-se pelo bem estar um do outro. Cada um com seus medos e peculiaridades... Mas, enfim, juntos. Este é justamente o seu título: Enfim juntos (Ensemble c'est tout), baseado na obra homônima de Anna Gavalda. A simplicidade do enredo desafia a complexidade da beleza humana e seus dilemas e soluções. É um filme sobre a amizade, sobre o encantamento amoroso que aproxima duas pessoas, sobre as escolhas e sobre a vida no seu aspecto mais palpável. Não está longe do alcance de qualquer um que o assiste. Está ali na esquina. Está ai, na sua casa. É uma estória, acima de tudo, sobre a generosidade e todas as suas possibilidades, inclusive a de existir numa condição além das situações mágicas das ficções. Enfim, é qualquer coisa que nos comove pela grandiosidade do que há de mais corriqueiro.

Assistir a um bom filme, a uma boa peça de teatro, ler um bom livro e ouvir uma boa música sempre mexe um bocado conosco. Esse bocado pode ser mensurado pelo quanto nos tocamos e levamos seus dizeres para a vida real. A nossa vida. O quanto se tornam parte da nossa transformação. Parte daquela altiva borboleta que nos preparamos para ser todos os dias. E que somos em todos eles. A cada dia uma cor nova, um adorno nas patas ou antena, uma acrobacia inédita pelos ares... Estamos sempre aptos para julgar esta ou aquela obra, mas saber o que está por trás desses "gostares"é, sem dúvida, o mais estimulante. É perceber um azul cintilando novo nas asas ou sentir aquela pirueta: é um movimento. E os melhores serão sempre aqueles que nos concebem e nos acrescentam: enfeitam-nos no seu sentido mais humano. Momentos assim é que concordamos com Adélia Prado:

                                            "Eu sempre sonho que uma coisa gera,
                                             nunca nada está morto.
                                             O que não parece vivo, aduba.
                                             O que parece estático, espera."