sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Alguns minutos



                                                    

Pensem o que quiserem. Tenho vontade de escrever, mas no exato momento, confesso, nada me vem. Nem uma mísera idéia, um caso, uma percepção, crítica ou elogio. Nada. Só essa vontade de agrupar palavras. Eu sei... algumas pessoas que dedicarem o seu tempo lendo este “isto” desejarão , no mínimo, um conteúdo digno. Não prometo nada, só a minha boa intenção que faz mover meus dedos aflitos. Acabo de escutar “killing me softly”, com Lauryn Hill e logo em seguida começou “crazy”, cantada pela deliciosa ex-revoltada-zen-sumida Alanis Morissette. Posso considerar como um sinal? Vamos lá... estou tentando um assunto, me ajudem aí... depois não vão dizer que nem ao menos me esforcei.

Então é isso: vou mantendo esta conversa, mediada por tudo que vai tocando enquanto tento, quase sacrificantemente, arrancar dos meus interiores qualquer conteúdo interessante. Agora estou me deliciando com “crazy little thing called love”, ótimo título, não? A versão é muito animadora. É do Paulo Ricardo, já ouviram? Ou viveram uma “crazy little thing called love”? Foi “big”? Concordamos pelo menos que é “crazy”? Não? A Alanis concorda! Valeu! “Kiss” pra vocês.
Na verdade não estou terminando, informalmente gentil, este texto, ou seja lá o que isto for, ou melhor, o que está querendo ser. Fato é que nem comecei ainda. “Kiss” é a música do Prince que é recebida freneticamente, neste momento, pelos meus ouvidos. Adoro esta música: ela tem uma cara de anos oitenta, com gosto de qualquer época. Aquela música pra deixar qualquer hora “delightful”, é só não pensar na carinha do Prince! E falando nele, a próxima da lista é “purple rain”... essa é boa também, mas sempre me lembra uma manha, uma pirracinha, um chorôrô... que é bem o que eu imagino quando vislumbro alguém cantando no meio de uma chuva púrpura . Já pensaram nisso? Se não, deveriam... Porque sim!- antes que perguntem. É. A finalidade é justamente exercer essa coisa de testar as sensações, o que uma melodia e uma letra podem remeter... onde vocês podem estar naquele exato momento? Aqui, por exemplo, numa chuva púrpura... o que sentem? Eu: alguém fazendo manha. E acho isso importantíssimo! Como alguém pode pretender existir num mundo ignorando suas sensações? Não pode! É absurdamente negligente. A menos que você esteja na sua vida, sem almejar sê-la, você mesmo. É coisa que me choca. Pronto: sem assunto e decepcionado.

Então... “I need a litlle respect”, que já até acabou, dispensa comentários nessa ocasião. Só citei pra servir de qualquer estalar de dedos, fazendo aquele barulhinho. Uma espécie de símbolo quando pretendemos promover um despertar, um chegar-a-uma-conclusão. Isso. Estalo pra quem precisa! Enfadonho? Espero que não... continuo no esforço hercúleo pra expulsar de mim um assunto inteligente , sensível e... razoável. Então, “don’t go away”, do Oasis, soa das caixas de som. Oportuno, muito oportuno. Não quero falar sobre oportunidades nesse “agora”, quero algo menos auto-ajuda, quero o espontâneo, o que puder me acontecer, menos o que me aconteceu: oportunidade. Não quero o politicamente correto, o indicado ou o necessário. Busco aquilo que não convém, mas que vem do inusitado. Que salta da alma intuitivamente sem segundas ou terceiras intenções. Não tenho como objetivo direto as entrelinhas, embora adore o que venha delas. Salve Clarice lispector! Quero o instantâneo agradável e nú. Isto: “I was born to love you”(Queen). Essa nasceu agora nos meus ouvidos... tão estranho, mas sinto que as canções parecem entrar em sintonia com minha busca. Ou sou eu que inevitavelmente faço uma ligação forçosa com elas, uma espécie de jogo de intertextualidade com as músicas que o modo aleatório do programa musical me oferece. Sem análises...  

Já sentiram uma música como um chocolate? Qual ou quais efeitos tem, em vocês, um chocolate? Bem estar? Bom humor? Eis que, por aqui, inicia-se uma canção que para mim é chocolate: “proud mary”. A Tina Turner é puro cacau, 100%. Imagino-a com um semblante de vovó-super-animada-com-a-pernoca-de-fora. Cacau purinho! Energizante. A gente pensa... bem, eu penso: quero ser assim quando crescer, mas a meu modo. Captaram? “like a rolling stone”... que também é uma opção. E que, coincidentemente, sucedeu a Tina. Taí outro alguém de energia pulsante. Como será que eu serei daqui a um bom tempo? Tina Turner + Mick Jagger? Cacau 100%? Não. Preciso de uns 40% (ou 50%?) de serenidade e introspecção, além de 1,16% de uma inconfessável amargura (ou azedume ou avesso ou horinha danada: mau humor!) senão... senão simplesmente não serei eu. E, honestamente, eu preciso ser bem eu... e vocês? Bom, “If you don’t know me by now”, com Simply Red, começou, e é um ótimo gancho para eu pensar que uma jornada de auto conhecimento não é nada ruim... pra melhorar a composição do chocolate que nos tornamos vida a fora. É claro que isso só serve para quem quer virar chocolate... e isso tem o intento de ser uma metáfora! Dentro ou fora do significado literal de qualquer intenção, gostaria de proclamar que passamos alguns minutos juntos, dedicando-nos a um fim: qualquer coisa. E se de toda essa explosão verbal nasceu qualquer coisa como um texto, vai depender do critério e boa vontade de cada um. Eu, particularmente, tendo para um nada. Enfim, pelo menos um nada ao som de “linger”, do Cranberries, que acho música perfeita para terminar qualquer... qualquer nada! Deixando-o como eco no ar, deixando-o durar por algum tempo em nós, diáfano, esse despretensioso nada. Assim:" you have to... you have to… You have to let it linger...".

domingo, 24 de abril de 2011

As flores

Entre um café e outro eu escutava a sua estória. Ela narrava os acontecimentos como um adendo. Algo já previsto para ser dito, porém, um motivo outro, de natureza inconsciente qualquer, fez com que o assunto surgisse num inspirar: “Ah, tenho que te contar...”.Ele nasceu assim, meio por acaso, solto, embolado. Quase prematuro ou já temporão. Não importa. A partir de então era o mote, incrivelmente tornou-se a coluna vertebral de uma conversa informal naquele final de tarde cheirando à cafeína. Sua bebida, ironicamente chamava-se amor-perfeito (café, leite e chocolate).

                                                                               *

Ficara horas aflita dentro do pequeno espaço em que trabalhava. Era uma sala com muitos equipamentos, muita informação, necessidade de delicadeza e calma. O sentimento tinha que ser contido. Mantido bem encarcerado dentro de si. Gritar e sacudir quisesse, teria que fazê-lo no restrito sítio que lhe cabia: dentro dela. E nesse espaço cênico, seus anseios atuavam primorosamente. Nenhuma farpa de comedimento tentava dissimular sua verdade. Bravo! Ali, céu e terra conectavam-se eletricamente. Raios. Desconectou o telefone da sua base e discou oito números que olhara no catálogo. Esperou que a voz da atendente anunciasse o nome do estabelecimento para que, então, pudesse gastar em palavras e ações sua fúria teatral. Era uma encomenda:

- flores do campo. Um buquê de flores do campo. - Disse à senhorita da floricultura. Não sabia o porquê da escolha. Não era sua flor predileta. Talvez a menos comprometedora... Sem muitas especificações, definiu seu pedido sucintamente, com palavras-chave: flor do campo- buquê- colorido. Sim. Na dúvida, todas as cores. Na dúvida, qualquer coisa. Na dúvida, tudo. Continuou sua vida apesar de tudo que planejava, apesar da sementinha que germinava no seu jardim mais interno e que despontara seus primeiros prolongamentos para fora da terra. Externos. Alguém anunciou a chegada lá fora. Era uma entrega. Flores! Recebia flores... Um buquê.

De um lado da linha alguém respondia ao soar do telefone. Ele. Do outro, ela derramava surpresa na voz... Agradecia o gesto carinhoso e sensível. Agradecia pelas flores do campo que acabava de receber. Como? Não fora Ele quem as mandou! A conversa pouco durou.

Seu coração batia já não mais num pulsar habitual. Torcia-se e destorcia-se, assim bombeava. Assim permanecia viva. Tonta dos minutos que se antecederam, embriagada de atitude e frenesi emocional sorriu consternada, radiante, assustada, ensimesmada. Tantos sentimentos destoantes no mesmo gesto. É bem o que lhe causara sua iniciativa apaixonada, e o que nos causam todas as iniciativas semelhantes. Estava sentada numa cadeira, ladeada por um arranjo de flores do campo multicores, que ela mesma havia enviado. Nem eram belas, nem delicadas. Ao contrário, entremeadas de ramos confusos que se avolumavam demasiadamente em todos sentidos: olfato, visão, tato... Lembrava-lhe um ornamento funeral. Saldo do dia: 36 reais pelas flores menos flores que já vira. Para o velório do coração enciumado do seu amado.

                                                                                  *

Em nossa xícara, o café findava. Restava no fundo uma borra enegrecida que acompanhava o desfecho do conto. Diz-se que, nos paises árabes, o hábito de ler as borras do café de uma pessoa é um excelente oráculo. E conta-se mais, que as flores são símbolos de alegria, novidades no amor... Quem sabe, também não se viam flores no aprofundar daquela xícara de amor-perfeito? E se existem amores perfeitos, por que não crer que são aromaticamente temperados com imperfeições? Pequenas inseguranças, provocações, mistérios... Todas iguarias acrescidas às melhores receitas dos melhores chefes: segredos. Todas, intrinsecamente, desenhando o fundo das nossas xícaras. Dos nossos amores-mais-que perfeitos. Afinal de contas, quem nunca condimentou seus melhores amores com pequenas loucuras? 

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Uns traços

Um traço desenhou-me um mundo,
Curvou-se num mapa,
Bordou arestas e franjas e signos...

O traço enrolou-se em si
E fez de vez uma mola,
Um cacho bem acabado, redondo e só.

Um passo por cima, um passo por baixo,
Fechou-se em nó, o traço.
E seguiu desgastado, o que sobrou de ser
Um traço...

Deitou-se miúdo e concluso,
E sabendo-se livre, contudo
Encolheu-se num
Ponto.

Outro traço desenhou-me um mundo,
Curvou-se num lago,
Tracejou estrelas angulares no infinito...

segunda-feira, 28 de março de 2011

Interior

Pétala a pétala abre-se a flor...
Em cada despertar singelo
Um bocado do seu novo,
Real,
Pigmentado,
Esperado e inusitado
Interior.

Seio da sua essência.
Em odorantes movimentos,
Exalando brisa de quem é...
Exalando flor que será.

Feito da sua essência,
O interno agora externo dela mesma.
Agora ela:

Ela é agora,
Semente, fruto
E flor do seu interior. 

domingo, 20 de março de 2011

Sutilezas

E o que se segue, traz, a cada dia, a existência do ontem dormida na surpresa do amanhã.
O grito delicado, que escorre diluído entre as primaveras, não cessa, reverbera, pois:

Existem palavras mudas
Que cantam no silêncio dos gestos
Tem tom e melodia,
Só lhes faltam a rima
Da vida vivida.
Tem alma,
E só lhes faltam o resto.

quinta-feira, 10 de março de 2011

No nada.


                                                                                      “...el silencio en que cae todo
                                                                                      e por fin nosotros caemos.”
                                                                                                                 Pablo neruda


Cabe um buraco no vazio
Um poço que não encontra água potável
Nem não...
Nada de água!

Cabe um nada no meio do buraco
Um oco, roxo, meio amarelado,
Fosco e ressecado,
De fruto que amanheceu deitado nas horas,
Enrolado nos dias
Coberto pelas noites
Acariciado pelo tempo.

Do nada, só as bordas,
(Limites, molduras)
No peito recortadas
Com tesoura e desafeto.
Reto de ser, por mais quantas luas
Esse oco
Esse nada
Essas margens
Nuas?                                                                                                              

quarta-feira, 2 de março de 2011

O Pé-de-desejo

Existe pé de desejo?
O desejo brota assim de repente,
Feito mágica?
O desejo é semente que germina?
Primeiro o broto, depois o jovem caule,
E depois o tronco, copa e frutos...
Alguém apanha o fruto cobiçado
Ignorando-lhe a memória?
Achando que ele brota assim de repente,
Feito mágica...
O pé de desejo?

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Esses dias

                                    Nesses dias que não passam
                                    Que não andam,
                                    Correm nem...
                                    Passam anos, horas pairam...
                                    Bailam...
                                    Num espaço que não têm.
                                    Sempre penso quando passam,
                                    Queira Deus que não retornem...
                                    Se não voam,
                                    E não pousam...
                                    Que só passem.

                                   Será que adiante me esperam,
                                    Outros dias que me calam?
                                    E se vierem,
                                    (que não venham!)
                                    Saberei que eles passam...

                                    Esses dias são infinitos que se acabam...
                                    O pesar é que eles me tomam,
                                    E me sacodem - e me despertam -
                                    Esses ecos que não cessam...
                                    Nesses dias que não passam... 

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Sem Nome

Hoje eu te vi de soslaio,
Porque já te confundias na multidão igual
Não és mais a mesma pessoa
Não é sequer o antigo.
És um coração perdido
Mesmo, igual

Sua roupa, seu cheiro, seu habitual,
De longe,
Não passavam de cores
Que eu nem sei mais o nome,
Nem sei mais se a mistura é quente ou fria
Se tem doce ou se tem sal.

Naquele minuto oblíquo
Que me viu chegar
Não disse palavra, nem pode escutar
Seus olhos boiaram sei lá por que águas...
E no vão daquelas cores sem nomes
Um vento levou-te o que eu podia te dar:
Um sentir tão quieto,
Um silêncio tão reto,
Dentro do mais sincero desconhecer

 E foi tão rápido o samba,
Que entre o pulsar do pandeiro,
E um apito perdido na folia
Eu pude sentir o que preenchia
Aquele único e inteiro olhar que você me acenou:
- Eu sou a mesma espera.
  Sou da mesma esfera que nunca saí
  Eu sei o que perdi. 

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Na roseira, na varanda, no corredor,
No parque , na garganta, no muro ao redor,
Nas cidades, nas estradas, no interior,
Nos oceanos, no raso, no profundo, no abissal,
No sal , no sol, na terra, na parede com vitral
Na madeira , nas igrejas, no andor

No ao redor,
No maior, no menor, no ínfimo.
No ritmo, na dança, na saia da bailarina
Na subida, na descida e na queda
No inverno, no verão, em todas as eras
Nas feras, nas belas e até no esplendor
Na planta do sertão, na flor do Igarapé,
No pé de carambola, na rosa do vendedor

Na arte, na verdade, em marte?
No tarde, no cedo, no medo
No jovem, no que já foi, no de mais idade
No frade, no gosto e na tatuagem
Na margem, mar, na pele do encantador
Nas idas, nas brigas, no rancor
Na ferida, na mentira, no que mais marcou

No querer e no não querer,
No não, no sim, no nó
No pó do pólen no vento, no tempo...
No mais, no menos, no emprestado
Nas poucas palavras, no verbo conjugado
No caso, no talho, no tosco e na cor do pudor.
Em mim, em ti, em mil
 no amor:

Casca, espinho e flor.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Entreaberto

Pouco abriu
E da fresta escorreu um lago de luz
Olha!
Tudo é meio assim:
Dentro e fora
E no meio:
Entreaberto

O limite é a escolha:
Entre dois lados,
Um de fora que observa
Certo de uma certeza – a incerteza do há de dentro.

Um de dentro que não mostra,
Tenta
Convida
Invoca
Tudo que há de fora.
Se dentro espreita: o que espera?

Excite os sentidos
Exerça a vida
Abra portas indispostas...
Olha!
Está tudo entre,
Tudo perto
Entre

Aberto