sábado, 7 de julho de 2012

Pedido


... e que todas as minhas armaduras não me impeçam de lutar a minha própria batalha;
E que todos os meus calos não me impeçam de calçar o meu melhor sapato; e que todos
os meus eus não me privem de mim...

Quero antes a seiva mais pura
Extraída do primeiro corte do facão.

Quero ainda a seiva mais bruta,
Mais curta entre a fonte e a mão

A seiva corrente primeira,
Que inventa mel às abelhas,
Borracha aos artesãos

Quero recolher entre os dedos
Cada sentimento vivente
Em cada movimento e textura
Largados feito rastros...

 E separar-lhes do todo...

Quero provar-lhes o gosto do novo,
De novo e
De novo e
De novo...

sábado, 9 de junho de 2012

Sei lá...


Sei lá...
Disse-me a vida pensativa.
Depois de tanto interrogada, pensou e disse-me:
Sei lá...

Em que horas certas, ofereço o melhor de mim?
Para que fim, inclinarei minhas pernas...
Meus braços, abraços, meus sonhos e tudo mais?

Sem mais dizer ou mais esperar,
Ela contou-me depois de tanto pensar:
Sei lá...

Vá lá viver,
Vá lá buscar nos livros mais clássicos
Em todos os dicionários,
Nas palavras de um sábio,
Um alguém bem informado por ai...

Vá buscar um atalho,
Um caminho que inevitável é não se perder...
Perder o rumo do exato,
Na estrada do acaso,
Acaso mais desejado...
Inevitável.

(Vá exercer suas reticências...!)

Sei lá... 

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Esse Caetano


No som, Caetano entoava uma canção. Dentro do carro já era preciso dar a partida, enfim o semáforo sinalizara. Era agora verde. Vinha rompendo o rubro que há pouco predominava. Juntamente a ansiedade, a tensão... O meu rubro: seguia pensando numa carta. Essa carta nunca existiu. Não da maneira convencional como geralmente as cartas existem. Tampouco fora escrita por mãos... Estava a ser redigida por uma grande corporação, uma rede intrincada de formadores de opiniões e suas idéias e suas memórias... Sinapses. Isso aí. Esse perspicaz leva-e-traz biológico: o meu pensamento. O editor-chefe? ELE, o sujeitinho. O meu desejo. Naqueles poucos minutinhos que me encontrava parado no trânsito ocorreu-me, de súbito, uma cachoeira de tópicos para compor uma carta que jamais escreveria (é bom que fique bem claro!), endereçada a Alguém. Sabe aquele turbilhão de vontades que nos tomam as rédeas diariamente? Aquilo que está sempre engasgado, atravessado na garganta, mas que nem sempre a melhor maneira de resolver a coisa toda é atirá-la a Alguém, ou ao papel, que seja? Exatamente. Eram desaforos, palavras mal ditosas... Eram... Era... Era. Talvez fosse uma dessas insanidades que me importunam, vez ou outra. Tenho insanidades recorrentes. Bom, Não sou nenhum louco. Só insanidades. Quem não as tem?


A canção era la Barca, originalmente de Roberto Cantoral, um compositor mexicano, muito premiado, cujas letras já foram interpretadas por nomes como Maysa, Simone e... Luiz Miguel (É... talvez eu pudesse omitir este último. Insanidades...). Enfim, Caetano Veloso também fez a sua versão. Ah, esse Caetano... Ia cantando assim, impunemente, enquanto sua voz entrava em sintonia com meus devaneios a caminho do trabalho. Todos os meus argumentos brotavam incansavelmente. Construíam um texto impecável, persuasivo, de quem tem toda a razão. Não qualquer razão, mas A razão, capaz de ser tão forte e embasada e justificada. Ensimesmada. Sim. Bastava apegar-me aos fatos. Não poderia ser de outra maneira. Os fatos...


                         ...Hoy mi playa se viste de amargura,
                        Porque tu barca tiene que partir,
                       A buscar otros mares de locura.
                      Cuida que no naufrague em tu vivir...


Fato é que, de volta ao trajeto, com meu carro em movimento, ultrapassando a haste dura e coroada de rubro daquele semáforo, também eu venci os meus “rubros”... Abrandou-se em mim qualquer coisa. É. Sinal verde lá. Verde cá. Parece-me que a vida tem dessas bobeiras conosco, nos povoa de insanidades momentâneas para depois acharmos graça. Graça de como ela acontece... De como as coisas passam, ou como vivemos apesar de. Graça daquele minuto atrás. Daquele reizinho sem trono. Agora só. Dentro do seu carro, seguindo seu caminho. Sereno. A musica ainda tocava. Caetano ainda dizia seus últimos versos...



                     ...Piensa que yo por ti estaré esperando,
                    Hasta que tu decidas regressar.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Lares de outonos


Dentro deste verde pálido
Moram cálidas promessas
Dispersas entre brumas delirantes
E tardes grises...

 Lindo lago azul nebuloso
Turvado de um desejo calado
 Profundo, opaco
Secreto, ditoso.

Bosque de cores caducas
E perfumes de maio,
Balaio de sonhos em sépia
E dores parcas
A amarelejar...

Estes olhos de terras distantes
E nuvens carregadas
São lares de outonos,
Com vendavais de folhas secas
Que me roubam os instantes.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Dentro da chuva


Dentro da chuva que não cessa
Chovem incontáveis alas...
Chovem sentimentos aquecidos pela pressa
De uma quimera repleta de desejos solares,
E que ardem, indolores, nos colares de uma canção antiga
Na voz de uma Marina,
Quem sabe um Caetano,
Talvez um Moska...

Dentro da chuva vertical vivem desejos oblíquos,
Cansados das festas paralelas de suas quedas.
Dentro da chuva vertical vivem outras chuvas
Curvas, horizontais, côncavas e convexas...
Dentro da chuva vivem chuvas de todas as cores,
Chuvas de todos os nomes,
Chuvas avessas.
Vivem sóis e estrelas alheios ao tempo.

domingo, 25 de março de 2012

O meu "eu" francês


Penso – agora – no que está por vir
E que neste instante – ainda – não é.
Ansiedade?
Idade?

N’importe pas!

Para cada coisa deve haver seu tempo.
Hoje, amanhã, depois... é questão de quando.
Portanto:
Quando penso – agora – no que estar por vir
Quero saber – especialmente
: quando.

Oubliez...!

... e consumir-se com o quando torna-se inevitável.
Evitavelmente irremediável
Irremediavelmente questionável
...

inutile!

vem e vão as horas
vem e vão os dias
e...
sim – a espera é em vão.
Tão pouco aproveitados os dias e horas,
Que ignorados
Vem e vão.

D’accord!

De manhã a luz do sol acorda tudo que é diurno
E brilha mais e brilha muito e brilha menos
E brilha até avermelhar num canto...
Até trazer num olho azul, um choro de estrelas.
A noite vem e dorme aquilo que se cansa
Com incontáveis luzes acesas...
E quando o quando é hoje
Eu prefiro o hoje.

Oui.

segunda-feira, 19 de março de 2012

A Dúvida


Duas aranhas enamoravam-se entre as flores lisas dos meus azulejos.
Cruzavam-se pelos ares, numa dança ensaiada,
Como se deslizassem por fios não tecidos
De uma teia intrincada,
Entre as flores rubras de seus desejos.

Trocavam micro carícias dentro de intermináveis segundos,
Mudos,
E logo se apartavam pelos intervalos frios da parede

Num breve correr de olhares para outros instantes
E as duas aranhas, entre as flores aromáticas da minha lembrança,
Já não estavam lá como antes.
Perderam-se entre as dores da paisagem concreta.
Não sei...

Será mesmo que eram amantes,
Ou são meus olhos de poeta?

quarta-feira, 14 de março de 2012

Seráoqueseria


Quando estou aqui, não sou feliz.
Quando lá estiver, não sei se serei.
Serei sim, menos triste que aqui
Ou serei mais feliz que nem sei...

Serei o que serei
Sereia no mar
Nem sei o que sei,
Só sei que será.

Será um saber do que é,
Será um será do passado.
Fora o que seria pra ser,
Fora tudo o que não se sabia?

Afora - tudo que fora para ser
Aflora na expectativa
Do que deverá tornar-se.
Agora toda gana de saber
Corre “serás” afora...

Será que serei o que deveria ter sido?
Será que serei?
Será que já fui?
Será que eu sei?

Será.
Seria.
É...