quinta-feira, 3 de maio de 2012

Esse Caetano


No som, Caetano entoava uma canção. Dentro do carro já era preciso dar a partida, enfim o semáforo sinalizara. Era agora verde. Vinha rompendo o rubro que há pouco predominava. Juntamente a ansiedade, a tensão... O meu rubro: seguia pensando numa carta. Essa carta nunca existiu. Não da maneira convencional como geralmente as cartas existem. Tampouco fora escrita por mãos... Estava a ser redigida por uma grande corporação, uma rede intrincada de formadores de opiniões e suas idéias e suas memórias... Sinapses. Isso aí. Esse perspicaz leva-e-traz biológico: o meu pensamento. O editor-chefe? ELE, o sujeitinho. O meu desejo. Naqueles poucos minutinhos que me encontrava parado no trânsito ocorreu-me, de súbito, uma cachoeira de tópicos para compor uma carta que jamais escreveria (é bom que fique bem claro!), endereçada a Alguém. Sabe aquele turbilhão de vontades que nos tomam as rédeas diariamente? Aquilo que está sempre engasgado, atravessado na garganta, mas que nem sempre a melhor maneira de resolver a coisa toda é atirá-la a Alguém, ou ao papel, que seja? Exatamente. Eram desaforos, palavras mal ditosas... Eram... Era... Era. Talvez fosse uma dessas insanidades que me importunam, vez ou outra. Tenho insanidades recorrentes. Bom, Não sou nenhum louco. Só insanidades. Quem não as tem?


A canção era la Barca, originalmente de Roberto Cantoral, um compositor mexicano, muito premiado, cujas letras já foram interpretadas por nomes como Maysa, Simone e... Luiz Miguel (É... talvez eu pudesse omitir este último. Insanidades...). Enfim, Caetano Veloso também fez a sua versão. Ah, esse Caetano... Ia cantando assim, impunemente, enquanto sua voz entrava em sintonia com meus devaneios a caminho do trabalho. Todos os meus argumentos brotavam incansavelmente. Construíam um texto impecável, persuasivo, de quem tem toda a razão. Não qualquer razão, mas A razão, capaz de ser tão forte e embasada e justificada. Ensimesmada. Sim. Bastava apegar-me aos fatos. Não poderia ser de outra maneira. Os fatos...


                         ...Hoy mi playa se viste de amargura,
                        Porque tu barca tiene que partir,
                       A buscar otros mares de locura.
                      Cuida que no naufrague em tu vivir...


Fato é que, de volta ao trajeto, com meu carro em movimento, ultrapassando a haste dura e coroada de rubro daquele semáforo, também eu venci os meus “rubros”... Abrandou-se em mim qualquer coisa. É. Sinal verde lá. Verde cá. Parece-me que a vida tem dessas bobeiras conosco, nos povoa de insanidades momentâneas para depois acharmos graça. Graça de como ela acontece... De como as coisas passam, ou como vivemos apesar de. Graça daquele minuto atrás. Daquele reizinho sem trono. Agora só. Dentro do seu carro, seguindo seu caminho. Sereno. A musica ainda tocava. Caetano ainda dizia seus últimos versos...



                     ...Piensa que yo por ti estaré esperando,
                    Hasta que tu decidas regressar.