Há muito tempo que já andava curioso para ler este romance do famoso Tolstói (Liev Tolstói). Fato é que,pouco conheço sobre a literatura russa... assim, vinha esboçando uma tentativa de preparação (isso existe?), lendo alguns pequenos contos pingados aqui e ali. Tchékhov, Gogol... textos curtos, e que na verdade, não me causaram nenhum frisson. Mais verdade ainda, só mesmo um “ah, tá.” Exceto um, que achei bem interessante -mas que infelizmente, não me recordo o nome, nem o assunto... Enfim, meu interesse pelos russos sempre foi moderado, nunca inexistente. Talvez os títulos e temáticas nunca me tivessem alcançado...
Mas Anna Kariênina, não... este
sempre me intrigou e me atraiu para seus braços (ou garras, ou seja lá o que
envolve com desconforto!). cultivei uma
certa apreciação pelo título, o nome é forte e misterioso. Fui descobrindo
pouco a pouco sinais de uma vontade, até que uma leitura prévia, que me foi um
grande achado, citava com frequência a obra. Pronto: fui mordido! Abocanhado,
diga-se.
Não foi uma leitura fácil. Não é
uma leitura fácil, creio eu. Primeiro, é um livro grande (sim, eu sempre conto
o número de páginas). Segundo, é uma história com muitos personagens e lenta. E
esta lentidão não me parece ser de todo despropositada. É, sobretudo, perturbadora...
(calma, você vai entender o porquê).
Como bem alerta o prefácio, este
não é um romance centrado na figura de Anna, nem focado, exclusivamente, na temática discutida
pela personagem. Não, é antes um conjunto de temáticas, temáticas paralelas.
Anna kariênina é a bela esposa de
um funcionário público russo (cargo de grande status na sociedade russa da
época )e mãe afetuosa de seu filho Serioja. Sua figura é descrita de forma
encantadora, assim como o seu impacto sobre os outros personagens. Envolta por
uma gama de personagens complexos e de grande presença em todo o romance, Anna vai lidando gradativamente com o ônus de pensar e, principalmente
agir, de forma transgressora aos olhos de uma sociedade conservadora e
machista. Ela resolve sustentar o fim de seu casamento e o relacionamento com
um conde. Até ai, você diz: cadê a graça? É justamente isso, não tem graça
nenhuma! A minha impressão é que o autor nos coloca, utilizando a lentidão dos
acontecimentos, numa angústia que só descobrimos juntamente com a personagem
Anna, quando ela, numa catarse, percebe clara e angustiantemente a sua
condição. O livro machuca neste momento!( aviso aos mais sensíveis).
*
“Parecia que o excesso de alguma coisa inundava seu ser e, a despeito da
vontade dela, se expressava, ora no brilho do olhar, ora no sorriso.
Intencionalmente a mulher apagou a luz dos olhos, mas a mesma luz cintilou, à
sua revelia no sorriso quase imperceptível. “
*
Ao mesmo tempo, liévin, um nobre
senhor de terras, conduz a trama com outros questionamentos. Sobre o casamento
(também) e outras questões filosóficas e socias. Liévin queria se casar e pensava ser este um bom
rumo para a vida de um homem. Este é um dos personagens principais, e que nos
leva ao tédio, vez em quando. Liévin é
reflexivo e pessimista, boa parte do tempo. E esse é, muitas vezes (a maioria),
o tom da narrativa. Somos levados, sem querer, sutilmente, a embarcar no estado
de espírito dos personagens, e é ai que mora a angústia do livro.
*
“No tempo infinito, na matéria infinita, no espaço infinito, surge um
organismo bolha, e então essa bolha se aguenta um pouco, rebenta, e essa bolha
sou eu.”
*
E é quando somos levados a sentir
o livro e seus dramas, que redimimos a lentidão e as divagações agrícolas do
romance. É quando percebemos o soco que
levamos sem que o tivéssemos notado, até o momento em que a ferida causada
inflama.
No final, precisei de um tempo para
respirar, “desintoxicar” e pensar sobre a trama. Gosto de romances reflexivos e
fortes. Tive uma vaga lembrança de clarice Lispector no finalzinho do livro,
sei lá... enfim, é uma obra que me deixou em guerra e paz com ela (trocadilho
com outro romance do autor), mas que sem dúvida atingiu a sua proposta, me fez
refletir, especialmente sobre as relações humanas e, é claro, me deixou angustiado ( que aliás,
foi a palavra campeã de repetição no texto... por que será?).
Para finalizar, deixo aqui um
trecho de grande beleza, para que ninguém me acuse de chamar o livro de denso e
angusti...
“Serioja tinha nove anos, era um menino; mas conhecia a própria alma,
era preciosa para ele e a protegia como a pálpebra protege o olho e, sem a
chave do amor não deixava ninguém entrar em sua alma.(...)”